Vulcabras: Seguindo a passos firmes
Escrito por: Pedro Nogueira

Vulcabras: Seguindo a passos firmes

A Vulcabras é uma produtora de artigos esportivos, com foco em calçados, e administradora de marcas, com mais de 70 anos de experiencia no mercado. A empresa é dona da Olympikus e licencia as marcas Mizuno e Under Armor (UA). Além disso, ela também produz botas de segurança da marca Vulcabras e vende, através da UA, vestuários e acessórios.

A Olympikus, maior marca da empresa em termos de volumes e receita, democratiza o acesso à tecnologia esportiva de ponta, oferecendo uma excelente proposta de valor. Consegue entregar variedade e qualidade a preços mais acessíveis, atingindo parcela relevante da população. A maior parte de seus produtos está na categoria de entrada, com preços mais baixos, mas a marca também é capaz de produzir calçados de elevado valor agregado, como o Olympikus Grafeno, o primeiro tênis feito de placa de grafeno do mundo.

A Mizuno, marca extremamente conhecida e com foco em corrida de alta performance, é referência em inovação. Apesar de ter modelos a preços mais baixos, ainda que acima de Olympikus, a marca é referência em modelos sofisticados, com preços mais elevados. Enquanto licenciada pela Alpargatas, a Mizuno passou por momentos difíceis, mas, após a aquisição pela Vulcabras, a custo de estoque, sua receita dobrou após dois anos. Hoje, com novas coleções, a marca já representa a segunda maior receita da Vulcabras, apesar de ainda terem espaço para reposicioná-la e capturar ainda mais valor.

A UA, diferente da Mizuno, ainda precisa se fazer conhecida no mercado nacional, apesar de ser uma das maiores marcas do mundo. Ela busca oferecer performance ao longo de toda a jornada do atleta, comercializando calçados, roupas e acessórios, focados em treino e basquete. Dada sua exposição e penetração nos pontos de venda ainda pequena, a marca tem menor representatividade na receita da empresa, sendo a terceira em termos de contribuição.

 

Reestruturação e foco em calçados esportivos

O processo se inicia em 2007, quando a empresa adquire a Azaleia, dona das marcas Olympikus e Azaleia. Com a aquisição, a Vulcabras cresce bastante e ganha escala inicialmente, mas se endivida muito e, nos anos seguintes, passa a sofrer com a competição de produtos importados.

Com a crise financeira, marcas estrangeiras passaram a deslocar seus volumes para o Brasil a preços muito baixos e a baixa competitividade da empresa fez com que seus resultados fossem muito impactados, com o auge sendo atingido em 2011. Com isso, entre 2012 e 2017 a Vulcabras passou por um grande processo de reestruturação, auxiliada pela consultoria Galeazzi.

Nesse período as operações da empresa foram revisitadas, de forma a gerar redução de custos, maior eficiência de mão de obra, racionalização e modernização do processo de produção, flexibilização da cadeia de suprimentos, melhora no posicionamento de seus produtos, fechamento de negócios não rentáveis e diminuição de despesas.

Após a aquisição da Azaleia, a Vulcabras tinha 26 plantas, que foram praticamente todas fechadas, sobrando apenas 3 delas à época. Também reduziram o número de funcionários de 36.000 em 2011 para 15.000 em 2017.

Daí em diante, a Vulcabras passou a focar em suas próprias marcas e na recuperação da rentabilidade. Com o “re-IPO” em 2017, a empresa reduziu sua alavancagem e passou a investir em fábricas modernas e a licenciar a UA e a Mizuno. Além disso, concomitante ao licenciamento da Mizuno, licenciou a marca Azaleia para a Grendene, alterando seu foco para ser uma empresa totalmente focada em artigos esportivos, principalmente calçados.

Com uma estrutura mais enxuta, fábricas modernas, marcas fortes e uma operação muito mais eficiente, a Vulcabras passou a gerar resultados consistentemente melhores. A complementariedade de suas marcas e as sinergias obtidas através do foco exclusivo no desenvolvimento, produção e venda dentro do core business fizeram com que a empresa se tornasse uma forte geradora de caixa, com margens elevadas e forte posição competitiva

 

Capacidade produtiva e rede de distribuição

A empresa tem uma extensa rede de distribuição, estando presente não só nos maiores e-commerces do país, mas também em 10.000 clientes ativos que contam com mais de 19.000 pontos de vendas. Cerca de 10% de suas vendas são realizadas pelo e-commerce próprio, que conta com um centro de distribuição de 11.500 m², em Extrema (MG), para realizar as entregas.

Nos últimos 12 meses, a empresa produziu cerca de 25 milhões de pares e, em termos de volume de calçados esportivos, a Olympikus é líder de mercado e a Mizuno é a quarta colocada. A UA, apesar de ainda pequena no Brasil, é a terceira maior marca esportiva do mundo.

Diferente de seus competidores, a empresa é integrada, de forma que ela atua desde o desenvolvimento de produtos (P&D) até a venda ao consumidor final (e-commerce), apesar de o grosso de suas vendas serem para multimarcas.

Certos aspectos da produção, como cadarços e palmilhas, são adquiridos de terceiros, mas a maior parte de seus produtos vendidos é feita internamente, sem restrição em termos tecnológicos do que pode ser produzido.  Os calçados que não têm escala o suficiente para justificar a produção interna, e toda a linha de vestuário são importados ou adquiridos de fornecedores locais.

Em sua estrutura, ela conta com duas fábricas, uma no Ceará e outra na Bahia, além de um centro de pesquisa e desenvolvimento no Rio Grande do Sul, onde conta com mais de 600 empregados. A fábrica da Bahia produz os modelos mais simples da Olympikus e Botas Vulcabras, enquanto a fábrica do Ceará produz os modelos da Mizuno, UA e os modelos mais sofisticados da Olympikus

Suas fábricas contam com tecnologia de ponta, presente apenas nas fábricas mais avançadas na Ásia, gerando elevado grau de automatização e eficiência de custos. Além disso, o foco total na produção de calçados esportivos fez com que sua operação fabril fosse extremamente otimizada, gerando enorme eficiência operacional. Dessa forma, junto a sua grande escala, a empresa é capaz de diluir muito seus custos fixos, gerando menores custos de produção.

De forma a otimizar ao máximo seus custos, a empresa tem um rigoroso controle dos custos incorridos na fabricação de cada calçado. Cada modelo desenvolvido e testado tem determinado quanto tempo de mão de obra será destinado a ele em cada setor de produção e a quantidade de cada material que será usado em sua confecção.

Dessa forma, há uma medição teórica de quanto tempo trabalhado será alocado em cada modelo e os custos de cada componente de sua fabricação. Conforme o produto é escalado, é comparado o orçamento teórico com o realizado. Com isso, são capazes de entender se o processo de fabricação está sendo o mais eficiente possível e, caso não esteja, fazem os ajustes necessários na estrutura de custos e produção.

Além disso, com base nos custos de produção e na análise da rentabilidade proposta para cada modelo, chegam ao preço em que o produto será vendido. Dessa forma, não só os custos, mas as margens de cada produto são consistentemente analisadas e otimizadas.

Do ponto de vista de P&D, a empresa emprega mais de 600 funcionários, que vão de designers a pesquisadores e engenheiros. O foco desses funcionários vai desde o desenvolvimento de produtos até a melhoria de processos, modernização e teste de tecnologias, desenvolvimento de matérias primas, engenharia industrial etc., tudo feito usando tecnologia de ponta.

A robusta capacidade e know how em P&D permitiu que a Vulcabras desenvolvesse produtos localmente, tanto para a Mizuno quanto para a UA. Os produtos desenvolvidos pela empresa, após aprovação das respectivas matrizes, começam a ser produzidos em suas fábricas.

Tão importante quanto a capacidade de produção e desenvolvimento é o contato do time de P&D e o time comercial. O time comercial é responsável por determinar os inputs para o desenvolvimento, dizendo quais são os modelos de cada categoria da pirâmide de preços devem ser desenvolvidos, em que parte da pirâmide esse modelo deve ser ofertado, o estilo de produto etc.

O time de desenvolvimento, então, seguindo as especificações do time comercial e tendo em vista a pirâmide de preços, passa a pensar em como desenvolver esse produto, quais tecnologias podem ser usadas e assim por diante. O trabalho é feito em conjunto de forma a gerar o portfólio de produtos mais completo e rentável possível.

 

Diferencial competitivo – Verticalização

Para que a Vulcabras possa competir com marcas tão fortes como a Nike e a Adidas, ela entendeu que precisaria de algum tipo de diferenciação. Tal diferencial se dá através da verticalização de suas operações, de forma que a empresa é capaz de ser mais ágil e flexível do que a concorrência, gerando não só melhores condições para seus clientes, como a possibilidade de menores remarcações e maior acessibilidade aos produtos.

Diferente da concorrência, que terceiriza a produção localmente ou importa, a Vulcabras produz a maior parte de seus produtos internamente, gerando maior agilidade no desenvolvimento, produção e disponibilização de seus produtos para seus clientes.

Mesmo com as estruturas fabris e de desenvolvimento não estando fisicamente interligadas, e Vulcabras é capaz de realizar todo o processo de desenvolvimento, teste, produção e entrega do produto no ponto de venda em apenas 4 meses, contra 12 meses necessários para a concorrência.

Dessa forma, a empresa é capaz de identificar novas tendencias no mercado e, rapidamente, disponibilizar esse produto para os clientes finais, seja via seu e-commerce, seja via as lojas multimarcas. Além disso, ela também é capaz de reabastecer os estoques de seus clientes dentro de aproximadamente 5 semanas, gerando uma rápida resposta à demanda e aumentando a assertividade. A concorrência, por sua vez, leva cerca de 6 meses para realizar a reposição de estoques.

Outro ponto importante é o fato de a Vulcabras trabalhar com uma grade de pedidos mais flexível do que a de seus concorrentes. Os clientes da empresa podem fazer pedidos a partir de 6 pares, enquanto outras marcas exigem que os pedidos sejam realizados a partir de 12 pares.

A agilidade e flexibilidade da empresa permitem que seus clientes reponham seus inventários rapidamente e carreguem estoques menores, podendo reabastecer a mesma coleção, se necessário, de duas a três vezes. Com isso, reduzem o risco de que o cliente tenha que recorrer a liquidações, potencializando suas vendas e sua rentabilidade.

A capacidade de abastecer seus clientes quase que mensalmente é uma enorme vantagem competitiva da empresa. Evita que o cliente faça grandes apostas ao não o obrigar a se comprometer com grandes volumes de estoques, sendo um diferencial ainda maior em tempos de incerteza. Tal modelo, porém, é altamente complexo e mostra o know how e a capacidade industrial da Vulcabras.

Além disso, a Vulcabras tem uma enorme rede de informação, adquirida através de seus clientes multimarcas. Recebem informações das lojas, ajudando na reposição dos modelos que mais vendem. A Vulcabras passa a ser capaz, através de sua área de inteligência de mercado, de sugerir, com base nas informações recebidas dos clientes, quais os produtos que mais estão sendo demandados e quais devem ser repostos em seus estoques. Indicam também aqueles que não devem ser repostos, pois serão substituídos por novos modelos ou por não terem um giro adequado.

 

Expectativas e oportunidades

O ano de 2023 foi extremamente desafiador, devido ao elevado nível de estoques de seus concorrentes, que gerou um mercado extremamente promocional. Dada a racionalidade da Vulcabras, a concorrência com produtos promocionais se torna muito difícil, principalmente em um ambiente de renda disponível comprometida, de forma que o cliente opta pelo menor preço.

Isso fica ainda mais difícil quando se tem em vista a estratégia da empresa de vender coleções atuais a preços cheios, dando desconto apenas para modelos de coleções passadas. A Vulcabras entende que isso não só é uma forma de disciplinar o mercado, como de sustentar a percepção de valor do produto. Uma vez descontado, o cliente entende que aquele é o novo nível de preço do produto em questão, gerando perdas relevantes de volumes uma vez que a precificação é ajustada.

Mesmo assim a empresa gerou excelentes resultados, com ganhos expressivos de margem e geração de caixa. Apesar de esperarmos uma melhora no ambiente competitivo, de forma conservadora, a Vulcabras se prepara para um ano de 2024 semelhante ao de 2023, com foco na proteção da rentabilidade. Entendemos que em um ambiente competitivo normalizado, com maior disponibilidade de renda e juros mais baixos, a empresa tende a apresentar resultados ainda melhores.

Além disso, com a entrada em novos segmentos, como o de chuteiras da Mizuno, a ampliação de calçados de maior performance na Olympikus e a coleção militar na UA, a empresa ainda apresenta boas perspectivas de crescimento à frente. Outro ponto importante é a reconstrução da imagem da Mizuno, que tende a gerar um mix de maior de valor agregado, acarretando preços e margens superiores.

Entendemos também que a empresa está em um mercado em crescimento, não só com a prática esportiva e o consumo per capita de calçados esportivos ainda baixos frente a outros países, mas também por ser um produto substituto, com o uso de calçados esportivos indo além de apenas do momento da prática do esporte.

Tendo um parque industrial moderno e com capacidade de expansão da produção, a empresa não tem grandes necessidades de CAPEX, mesmo com perspectiva de crescimento à frente. Sendo assim, sem que haja novas oportunidades de investimento, sua forte geração de caixa deve se traduzir em retornos ao acionista. O “empoçamento” de caixa não é uma opção.

Vemos a empresa muito bem gerida, tocada pelos acionistas controladores, que possuem, junto a pessoas relacionadas a eles, mais de dois terços da companhia, e que conta com um time de gestão experiente. Enxergamos também uma empresa mal precificada, com uma cultura de baixo endividamento e forte geração de caixa, em um mercado em expansão e com grandes possibilidades de devolução de caixa ao acionista.

A menos de 9 vezes lucro, entendemos que há espaço para a reprecificação de seus múltiplos, sendo o follow on anunciado recentemente um potencial para que isso aconteça. Admitimos que as perspectivas de crescimento talvez não sejam tão grandes quanto a de outros players do mercado, mas há crescimento a ser capturado e há qualidade superior na gestão da empresa.

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