Visão Skopos – Carta Macro Outubro
Escrito por: Christian Thorgaard

Prezados investidores,

Outubro foi um mês de importantes desenvolvimentos no âmbito macro, ensejando mudanças relevantes na precificação de política monetária americana, preeminência do tema eleitoral americano e apoio fiscal na China.

Estados Unidos

Nos Estados Unidos destacamos outra forte alteração na percepção da economia bem como na visão sobre o tamanho do ciclo de cortes nos juros. Até setembro, os mercados operavam precificando um juro terminal próximo do que é percebido como neutro (3%) tão logo quanto o segundo semestre de 2025, receosos de deterioração adicional no quadro do mercado de trabalho em meio a ordeiro movimento de desinflação nos índices de preços. Ao longo do mês de outubro alguns eventos catalisaram forte mudança, levando a precificação de um ciclo bem gradual que se assenta em níveis marginalmente acima do neutro (~3,5%). Entendemos que os drivers para este movimento, exagerado em nossa leitura, partiram da confluência de : i) dados mais robustos no mercado de trabalho, reduzindo as chances de uma piora material do emprego; ii) dados mais robustos de atividade, com força dos consumidores tracionando o crescimento do PIB; iii) inflação mais quente na margem, trazendo interrupção no movimento de deflação de bens e avanço marginal em serviços, mesmo com descompressão em moradia ; iv) importante avanço na precificação das chances de sucesso da candidatura de Donald Trump no pleito de novembro.

De fato, os dados para o payroll de setembro, divulgados ao começo do mês, trouxeram robusto avanço na geração de vagas, amplamente acima das expectativas. Mais importante do que a dinâmica do payroll, que tem sido sujeita a fortes revisões, foi a evolução da taxa de desemprego. Entre abril e julho a taxa de desemprego havia avançado em ritmo alarmante, saindo de 3,9% a 4,3%. A velocidade do movimento, dada o histórico de viradas bruscas no quadro de emprego e em meio ao arrefecimento na taxa de contratações, acendeu o alerta quanto ao risco de reações não lineares na trajetória prospectiva da taxa de desemprego. Em agosto e particularmente em setembro os temores foram diluídos, a partir do retorno da taxa de desemprego para casa de 4,1%. De fato, entendemos que a leitura de setembro contribuiu para afastar as chances de um desfecho recessivo na economia americana, mas ressaltamos que, por melhor que tenha sida a leitura, trata-se de apenas um datapoint. Enxergamos uma economia saudável, mas cujo ritmo de contratações não parece suficiente para cobrir a expansão na força de trabalho. Neste quadro, ainda enxergamos risco de alta marginal na taxa de desemprego, sem que isto configure grande risco de recessão.

Na verdade, concordamos que as chances de um hard landing na economia americana são materialmente menores do que o percebido até o final do segundo trimestre. O consumo segue muito robusto e a taxa de poupança das famílias foi revista para cima. A primeira prévia do PIB para o terceiro trimestre trouxe a economia crescendo a 2,8% anualizados, ritmo ainda muito robusto. Mesmo com a desaceleração no crescimento da renda e dos salários, entendemos que a economia deve seguir em expansão, ainda que em ritmo cadente. Trata-se, em suma, de uma suave aterrissagem.

No front da inflação, vimos dados um pouco mais quentes no mês, tanto no CPI quanto no PCE. Em ambos, a dinâmica de preço dos bens tornou-se menos benigna, particularmente por efeito dos bens duráveis. Em serviços, vimos leituras um pouco mais fortes, tracionadas pelos serviços de transporte e médicos. Neste ambiente, mesmo novo fôlego no processo de desinflação dos preços de moradia foram insuficientes para manter o ritmo mais brando de avanço dos preços que assistimos entre maio e julho. Ainda assim, não enxergamos um quadro de reaceleração material da inflação, senão uma acomodação em ritmo um pouco acima da meta, em linha com o dinamismo que enxergamos na atividade e principalmente nos gastos de consumo. O Core PCE deve rodar em torno de 2,8% até o final deste ano, assentando-se mais próximo de 2,5% no ano que vem.

Por fim, o mês de outubro trouxe à tona o tema eleitoral, tracionado pelo avanço nas pesquisas e nas casas de aposta da candidatura de Donald Trump. Os mercados passaram a antecipar possíveis efeitos de sua agenda, particularmente preocupados com a agenda tarifária, fiscal e imigratória. No conjunto, os agentes percebem um mix inflacionário, que, junto de uma atividade e emprego mais fortes, bem como inflação, consolidaram a reprecificação descrita para o ciclo de juros. Mais do que o juro curto, o avanço de Trump nas pesquisas coincidiu com avanço de cerca de 70 basis nas treasuries de 10 anos, além de importante alta no DXY. Em nossa leitura há algum excesso na precificação, mas entendemos ser complexo separar o os efeitos do chamado “Trump Trade” e da mudança oriunda dos dados de emprego, atividade e inflação. O ambiente de data dependency do FED acaba por tornar os mercados ultrassensíveis a dados de atividade, o que tem gerado ampla volatilidade na curva de juros norte americana. Por aqui, continuamos enxergando mais dois cortes de 25 basis ainda neste ano, reforçando que a barra para um corte de 50 não é muito alta, especialmente se o emprego evoluir como esperamos até dezembro. De outro lado, entendemos que uma pausa em dezembro dependeria de forte piora no quadro de inflação, acompanhada de aceleração relevante no emprego. Nos parece improvável.

Europa

No velho mundo o data flow seguiu ilustrando um quadro complexo para as economias da zona do euro. Dados de atividade seguiram apontando fraqueza, ao passo que a dinâmica de preços revelou progresso no movimento de desinflação. A leitura final para setembro ficou ainda abaixo da prévia, rodando a 1,7% ao ano. Na prévia de outubro, o avanço foi a 2,0%, dialogando com efeitos base menos benignos até o final do ano. Ainda assim, o momento da inflação não revela grandes desafios ao cumprimento da meta, ao passo que na atividade ainda são grandes os riscos. Em destaque, a inflação de serviços tem vindo mais benigna. Em 12 meses o efeito base a mantém resiliente em 3,9%, mas na ponta percebemos relevante perda de dinamismo. A média móvel de 3 meses anualizada, por exemplo, rodou a 2,9% na prévia de outubro, de 4,2% anteriormente. De outro lado, os vários PMI’s seguiram apontando leituras abaixo dos níveis neutros, com exceção da economia espanhola, outlier em termos de dinamismo. A situação é particularmente complexa na Alemanha, que tem seu setor industrial em situação crítica. Eventual escalada nas tensões comerciais e imposição de mais tarifas deve ser especialmente onerosa para a economia alemã e europeia como um todo.  Por fim, o mês trouxe também leituras para a primeira prévia do PIB para o terceiro trimestre. Os resultados foram mistos: no agregado a zona do euro cresceu marginalmente acima do esperado (0,4% vs 0,2% esp). A economia alemã por pouco escapou de uma recessão técnica, mas encontra-se essencialmente estagnada. De outro lado, números mais fortes na França, influenciados pelos jogos olímpicos, ampararam melhor dinamismo para o agregado. Ainda assim, não vemos mudanças na trajetória prospectiva desafiadora.

Os dados para o mês apenas chancelaram o pivot do ECB que abandonou a estratégia gradual até então perseguida, entregando um corte de 25 bps na reunião deste mês. Neste espaço temos reforçado nosso pessimismo com o cenário de crescimento europeu, calcado em fraquezas estruturais, relativas ao modelo de crescimento; dificuldade institucional, imprimindo desafios no lado da política fiscal, bem como excesso de conservadorismo por parte da autoridade monetária. Mesmo com o corte de outubro, que entendíamos como provável, ainda vemos grandes desafios à frente. Os mercados trabalham ainda com um juro europeu muito próximo do neutro até o final de 2025. Vai ao encontro da ala mais hawk do banco, que reforça os riscos ainda existentes no combate à inflação, além do fato de as projeções de crescimento apontarem algo próximo do potencial. Em nossa visão o crescimento vai desapontar para baixo, forçando o juro para níveis estimulativos tão cedo quanto o ano que vem.

No Reino Unido, o grande destaque do mês ficou a cargo do anúncio e digestão do primeiro orçamento do novo governo trabalhista.  Algum afrouxamento fiscal era amplamente esperado, principalmente considerando que a comparação seria o orçamento de março do partido conservador, que trazia trajetória pouco provável de austeridade. A plataforma eleitoral dos trabalhistas praticamente garantia que seriam grandes as mudanças, como de fato ocorreu. Em linhas gerais o orçamento traz aumento real de 1,5% nas despesas primárias do governo, além de amplo pacote de investimentos para garantir a estabilidade da relação investimento público/PIB. O aumento do gasto seria parcialmente coberto por aumento de 40 bilhões de libras em tributos, além de maior emissão de dívida. Os mercados reagiram às medidas em movimento que remete o que vimos quando do Orçamento da antiga premiê Truss, com expressivo aumento nos juros ao longo da curva. Contribuiu o diagnóstico do watchdog fiscal (OBR), que enxergou aumento do PIB bem como dos juros. O órgão gestor da dívida também reportou aumento médio de 32,3 bilhões de libras por ano para cobrir os gastos nos próximos 5 anos, pegando os mercados de surpresa. Em linhas gerais, o orçamento traz maior suporte da política fiscal ao crescimento, que deve se traduzir em atividade um pouco mais aquecida. O pano de fundo de atividade já era mais positivo no Reino Unido vis-à-vis a zona do euro, reforçando um quadro de maior cautela do BOE no processo de normalização das taxas de juros.

China

Indo à Ásia o noticiário chinês voltou a dominar as atenções, com grande expectativa em torno de possíveis anúncios de suporte vindo da política fiscal. Em setembro, como trouxemos, as autoridades chinesas anunciaram amplo pacote de estímulo monetário, com cortes de juros, de deposito compulsório, redução nas taxas incidentes sobre o estoque existente de hipotecas; além de medidas de estímulo aos mercados de capitais. Demais, ainda em setembro, o Politburo mudou o tom sobre a política fiscal, sinalizando maior urgência no comportamento anticíclico; e sobre o mercado imobiliário, sinalizando um push para estancar a crise que assola o setor. Nesse ambiente, quando o ministério das Finanças convocou conferência de imprensa para o sábado, 12/10, eram grandes as expectativas em torno do que efetivamente seria entregue do lado fiscal. Expectativas em torno de grande pacote de apoio ao consumo e transferências de renda nos pareciam, como trouxemos na última carta, bastante improváveis, tendo em vista a ojeriza das autoridades chinesas ao que chamam de “welfarismo”. De fato, o pacote, ainda vago, que foi anunciado não trouxe nada neste sentido, priorizando a digestão das dívidas dos entes regionais, que constrange a capacidade de atuação dos estados e municípios; além da aceleração no uso dos recursos já levantados com a emissão dos bonds especiais e de medidas destinadas a amparar o mercado imobiliário. Em destaque, o ministério anunciou compromisso em acelerar o uso de cerca de 2,3 trilhões de renminbi emitidos para tracionar a atividade, além de um esforço do governo central para assistir o refinanciamento das dívidas off-balance dos governos regionais. Houve também autorização do uso de recursos levantados com os bonds especiais para a aquisição do estoque de casa não vendidas e finalização de projetos inacabados. Em linhas gerias, faltam ainda muitos detalhes da operacionalização específica das várias medidas anunciadas. Ainda assim, a aceleração do uso dos bonds emitidos deve-se traduzir em aumento do gasto de infraestrutura, o que, em conjunto com as demais medidas monetárias, deve assegurar o cumprimento da meta de crescimento deste ano, em 5%. Maiores detalhes, bem como quaisquer sinalizações de novas medidas devem sair apenas ao final da primeira semana de novembro, após a reunião do NRC. Não esperamos o anúncio efetivo de novas medidas fiscais, apenas o detalhamento de tudo que já foi posto e, potencialmente, mais recursos para a reestruturação das dívidas dos governos regionais.

Japão

No Japão, o mês começou com a derrota do novo primeiro-ministro na ousada aposta de antecipação das eleições legislativas. O resultado acarretou a perda da maioria parlamentar por parte de Ishiba, que vai ter de buscar outros partidos para coalização. Na prática, a entrada de novos partidos deve ser negociada em troca de maior apoio vindo da política fiscal, que deve oferecer apoio ao sólido momento da atividade de econômica.

Em outubro tivemos também reunião do BOJ, que optou pela manutenção dos juros inalterados, em linha com o guidance que o banco vinha dando. No entanto, a comunicação foi mais hawk, abrindo a porta para outra alta ainda este ano. O presidente do banco, Ueda, sugeriu que as dúvidas em torno da evolução da atividade nos Estados Unidos, ponto de atenção bastante mencionado para contextualizar maior cautela do banco no movimento de alta de juros; foram bastante diluídas. Demais, o presidente do BOJ voltou a reforçar a dinâmica recente da inflação, especialmente o repasse de reajustes salariais para a dinâmica de serviços. Por fim, Ueda voltou a acenar para a depreciação da moeda japonesa como risco ao cenário.

Brasil

Aqui no Brasil o grande destaque ao longo do mês ficou a cargo da expressiva deterioração nas expectativas, ensejando forte aumento no prêmio de risco e nas taxas ao longo de toda a curva de juros, além de pressão na moeda. Vindo de relevante frustração com o relatório bimestral de setembro, a paciência dos agentes para com a trajetória fiscal encontrava-se próxima do limite, como expresso pela evolução dos juros longos e das NTNB’s, que se aproximam de 7%. No começo do mês veio à tona a discussão em torno da reforma da renda, promessa de campanha de Lula, com impacto fiscal extraordinário. Neste quadro, não foi preciso muito mais para que os agentes voltassem a premiar os ativos brasileiros, com abertura de cerca de 60 basis na curva de juros. O real, também afetado pelo ambiente global e os chamados “Trump trades” amargou desvalorização de 6% ao longo de outubro, aproximando-se das máximas históricas. Com a deterioração do câmbio e nova rodada de desancoragem das expectativas, os mercados passaram a embutir importante aumento na taxa de juros, com a Selic projetada a quase 14% ao cabo deste ciclo de altas, inclusive com chances de aceleração para 75 bps no ritmo de altas.

A piora do dólar, em particular, sensibilizou o governo, que passou a trabalhar em agenda mais ampla de revisão de gastos, inclusive em despesas como saúde e educação. O esforço, segundo a comunicação da Fazenda, seria no sentido de “reforçar” o arcabouço fiscal, cuja sustentabilidade é gravemente ameaçada pela evolução das despesas obrigatórias.

Apesar das sinalizações e do avanço das discussões, nada havia efetivamente sido anunciado até o final de outubro. Para piorar, o ministro Haddad viajaria a Europa na primeira semana de novembro, tornando pouco factível qualquer avanço material desta agenda antes da reunião do G-20, no Brasil, na semana do dia 18/11. A aparente falta de urgência das autoridades ensejou nova e importante rodada de piora nos preços dos ativos, especialmente na moeda e na curva de juros.

Em nossa leitura há bastante prêmio na curva e na moeda, mas que serão dissipados somente quando do anúncio efetivo de um pacote robusto. Em especial, nos interessa as medidas que ancorem a evolução de todas as despesas dentro da regra geral do arcabouço, que limita em 2,5% real o crescimento do gasto. Sem isso, fica difícil comprar a sobrevivência da arquitetura institucional, culminando no esmagamento das despesas discricionárias e na queda das regras vigentes.

Do lado da política monetária também nos parece que o ciclo de altas embutido na curva é excessivo. Entendemos que o impulso fiscal deve ceder a contribuição que ofereceu ao crescimento da atividade e concordamos com a visão esboçada pelo diretor Piccheti ainda este mês. Piccheti falou, durante evento nas reuniões do FMI, sobre uma “mudança de regime”, em que o fiscal deixa de tracionar a economia e os juros tornam-se ainda mais restritivos. É preciso ter cautela e investigar os impactos destas mudanças na atividade, na inflação e nas expectativas. Reforçamos que um ciclo mais brando de altas, de cerca de 200 bps precisa invariavelmente de contribuição da política fiscal, não somente no movimento de desaceleração da atividade, mas através de sua interação com as expectativas e a taxa de câmbio.

Sinais incipientes da economia neste segundo semestre sugerem gradual desaceleração, que deve se tornar mais clara ao longo do tempo. Ainda assim, a evolução do quadro de inflação tornou-se mais desafiadora no curto prazo, em especial pela pressão dos preços de alimentação e pela carne. Há risco importante de o IPCA superar o teto da meta ainda em 2024, apesar de não ser o nosso cenário base.

Olhando a frente continuamos enxergando gradual movimento de desinflação no curso de 2025, mas com riscos de alta. Vale ressaltar que o juro real, perto de 7%, encontra-se muito próximo das máximas históricas. Nas outras ocasiões em que assistimos este nível de restrição a inflação rodava a dois dígitos e seu desvio da meta aproximava-se de 6 p.p. Não enxergamos no presente cenário um paralelo com estes momentos. Tampouco enxergamos violento aumento na taxa de juros neutra da economia. Quer dizer, o stance da política monetária já é e ficará de fato ainda mais contracionista, o que vai contribuir com o movimento de desinflação e desaceleração da atividade. Com alguma diluição de prêmio de risco entendemos que há amplo espaço para apreciação da taxa de câmbio, criando condições para um ciclo mais brando e gradual. Continuamos enxergando corte de juros para o final do próximo ano, à medida em que é rolado o horizonte relevante da política monetária. Mesmo que ocorra alguma frustração no quadro de inflação, entendemos que a variável de ajuste tende a ser a permanência do juro em nível restritivo, mais do que um aumento no orçamento de altas. Quer dizer, se o cenário não revelar desaceleração, alguma apreciação e gradual desinflação, enxergamos o BC optando por uma estratégia de “higher for longer” com o juro perto de 12-12,5% do que um ciclo que retorne a Selic para níveis próximos ao observado em 2015 e 2022.

 

 

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